sexta-feira, 7 de março de 2014

"O lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado, portanto, pelo simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido do ter. A esta absoluta miséria tinha de ser reduzida a essência humana, para isso trazer para fora de si sua riqueza interior".

"O comunismo na condição de suprassunção positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si-humano, e por isso enquanto apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem. Por isso, trata-se do retorno pleno, tornado consciente e interior a toda riqueza do desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem par si enquanto homem social, isto é, humano. este comunismo é, enquanto naturalismo consumado = humanismo, e enquanto humanismo consumado = naturalismo. Ele é a verdadeira dissolução do antagonismo do homem com a natureza e com o homem; a verdadeira resolução do conflito entre existência e essência, entre objetivação e autoconfirmação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e gênero. É o enigma resolvido da história e se sabe como esta solução".

Karl Marx (Manuscritos econômico-filosóficos). 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

"Todas essas conseqüências decorrem do fato de o trabalhador ser relacionado com o produto de seu trabalho como com um objeto estranho. Pois está claro que, baseado nesta premissa, quanto mais o trabalhador se desgasta no trabalho tanto mais poderoso se torna o mundo de objetos por ele criado em face dele mesmo, tanto mais pobre se torna a sua vida interior, e tanto menos ele se pertence a si próprio. Quanto mais de si mesmo o homem atribui a Deus, tanto menos lhe resta. O trabalhador põe a sua vida no objeto, e sua vida, então, não mais lhe pertence, porém, ao objeto. Quanto maior for sua atividade, portanto, tanto menos ele possuirá. O que está incorporado ao produto de seu trabalho não mais é dele mesmo. Quanto maior for o produto de seu trabalho, por conseguinte, tanto mais ele minguará. A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se converte em objeto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e que com ele se defronta como uma força autônoma. A vida que ele deu ao objeto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil".


Karl Marx (Manuscritos Econômico-Filosóficos).
"Também o coletivo é corpóreo. E a physis, que para ele se organiza na técnica, só pode ser engendrada em toda a sua eficácia política e objetiva naquele espaço de imagens que a iluminação profana tornou familiar. Somente quando o corpo e o espaço de imagens se interpenetrarem, dentro dela tão profundamente que todas as tensões revolucionárias se transformem em inervações do corpo coletivo, e todas as inervações do corpo coletivo se transformem em tensões revolucionárias; somente então terá a realidade conseguido superar-se...". 
(O Surrealismo)

"E isto não é por acaso. Pois, por um lado, há elementos aqui - o materialismo antropológico, a hostilidade em relação ao progresso - que são refratários ao marxismo e, por outro lado, exprime-se aqui aquele desejo pela apocatástase, a decisão de reunir novamente na ação revolucionária e no pensamento revolucionário justamente os elementos do 'cedo demais' e do 'tarde demais', do primeiro começo e da última desagregação"
(Passagens)

"De fato, é absolutamente necessário compreender, precisamente na dimensão polêmica que lhe é própria, a apoteose da organização e do racionalismo que o Partido Comunista deve pôr em prática de maneira infatigável diante das forças feudais e hierárquicas, e ter claro que do movimento também fazem parte elementos místicos, mesmo que estes sejam de natureza completamente diferente. Ainda mais importante, entretanto, é não confundir estes elementos místicos, que pertencem à corporeidade, com elementos religiosos"  
(Passagens)

Walter Benjamin

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

"O ser passado, não ser mais, é o que trabalha com mais paixão nas coisas. [...] Prende-se a essa força e reconhece as coisas no momento do não-mais-ser. [...] E a força que nelas trabalha é a dialética. A dialética as revolve, as revoluciona, revira para baixo o que está por cima, faz delas o que nunca foram [...]. E delas nada mais resta do que o nome [...]. No íntimo desses nomes trabalha a subversão [...]".

Walter Benjamin (Passagens).

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

"Quando a natureza se torna paisagem - em oposição, por exemplo, à vida inconsciente do camponês na natureza -, o imediatismo artístico vivenciado na paisagem, que evidentemente passou por muitas mediações, pressupõe nesse caso uma distância espacial entre o observador e a paisagem. O observador está fora dela, do contrário seria impossível que a natureza se tornasse uma paisagem para ele. Se ele tentasse integrar a si mesmo e a natureza que o envolve imediatamente e espacialmente na 'natureza como paisagem', sem sair desse imediatismo contemplativo estético, logo ficaria claro que a paisagem começa a ser paisagem apenas a partir de uma distância determinada (embora variável) em relação ao observador, e que este só pode ter com a natureza essa relação de paisagem como observador espacialmente separado. Evidentemente, isso é apenas um exemplo que esclarece a situação teórica, pois a relação com a paisagem encontra na arte sua expressão adequada e não problemática, embora não se possa esquecer que na arte também se esclarece essa mesma distância intransponível entre sujeito e objeto, sempre presente na vida moderna, e que a arte pode significar apenas a configuração, e não a resolução dessa problemática. No entanto, tão logo a história é impelida para o presente - e isto é inevitável, visto que nos interessamos pela história para compreender realmente o presente, este 'espaço nocivo', segundo as palavras de Bloch, torna-se evidente. Como resultado da incapacidade de compreender a história, a atitude contemplativa da burguesia polariza-se em dois extremos: os 'grandes indivíduos' como criadores soberanos da história e as 'leis naturais' do meio histórico. Ambos são igualmente impotentes - quer estejam separados ou reunidos - quando o desafio é produzir uma interpretação do presente em toda a sua novidade radical. A conclusão interna da obra de arte, pode encontrar o abismo que se abre nela, pois seu imediatismo completo não permite que se levante a questão da mediação, que deixou de ser possível do ponto de vista contemplativo. No entanto, o presente como problema da história, como problema praticamente irrefutável exige imperiosamente essa mediação. Ela tem de ser buscada".

Georg Lukács (História e Consciência de Classe).

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

"A Sociedade burguesa é a mais desenvolvida e diversificada organização histórica da produção. Por essa razão, as categorias que expressam suas relações e a compreensão de sua estrutura permitem simultaneamente compreender a organização e as relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, com cujos escombros e elementos  edificou-se, parte dos quais ainda carrega consigo como resíduos não superados, parte [que] nela se desenvolvem de meros indícios em significações plenas etc. A anatomia do ser humano é uma chave para a anatomia do macaco."

Karl Marx (Grundrisse)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

"À primeira vista, a mercadoria parece ser coisa trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo muito estranho, cheio de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas. Como valor-de-uso, nada há mais de misterioso nela, quer a observemos sob o aspecto de que se destina a satisfazer necessidades humanas, com suas propriedades, quer sob o ângulo de que só adquire essas propriedades em consequência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por sua atividade, modifica do modo que lhe é útil a forma dos elementos naturais. Modifica, por exemplo, a forma da maneira, quando dela faz uma mesa. Não obstante, a mesa ainda é madeira, coisa prosaica, material. Mas, logo que se revela mercadoria, transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar com os pés no chão, firma sua posição perante as outras mercadorias e expande as ideias fixas de sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria.
O caráter misterioso da mercadoria não provém do seu valor-de-uso, nem tampouco dos fatores determinantes do valor. E, para isso, há motivos. Primeiro, por mais que difiram os trabalhos úteis ou as atividades produtivas, a verdade fisiológica é que são funções do organismo humano, e cada uma dessas funções, não importa a forma ou o conteúdo, é essencialmente dispêndio de cérebro, dos nervos, músculos, sentidos etc. do homem. Segundo, quanto ao fator que determina a magnitude do trabalho, é possível distinguir claramente a quantidade da qualidade do trabalho. O tempo de trabalho que custa produzir os meios de subsistência interessou, necessariamente, aos homens, em todas as épocas, embora em grau variável com o estágio do desenvolvimento. Por fim, desde que os homens, não importa o modo, trabalhem uns para os outros, adquire o trabalho uma forma social.
O caráter misterioso que o produto do trabalho apresenta ao assumir a forma de mercadoria, donde provém? Dessa própria forma, claro. A igualdade dos trabalhos humanos fica disfarçada sob a forma da igualdade dos produtos do trabalho como valores; a medida, por meio da duração, do dispêndio da força humana de trabalho, toma a forma de quantidade de valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, nas quais se afirma o caráter social dos seus trabalhos, assumem a forma de relação social entre os produtos do trabalho.
A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentado-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar portanto, a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e do trabalho total, ao refleti-la como relação social existente, à margem deles, entre os produtos de seu próprio trabalho. Através dessa dissimulação, os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos. A impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo óptico não se apresenta como sensação subjetiva fora desse nervo, mas como forma sensível de uma coisa existente fora do órgão da visão. Mas aí, a luz se projeta realmente de uma coisa, o objeto externo, para outra, o olho. Há uma relação física entre as coisas físicas. Mas a forma da mercadoria e a relação de valor entre os produtos do trabalho, a qual caracteriza essa forma, nada têm a ver com a natureza física desses produtos nem com as relações materiais dela decorrentes. Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assuma a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Para encontrar um símile, temos de recorrer a região nebulosa da crença. Aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantém relações entre si e com os seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chamo a isso de fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias. É inseparável da produção de mercadorias.
Esse fetichismo do mundo das mercadorias decorre, conforme demonstra a análise precedente, do caráter social do próprio trabalho que produz mercadorias".

Karl Marx (O Capital).